ENTREVISTA SOBRE FAKE NEWS - PROFESSORA CINTHIA FREITAS” 


 

O fenômeno das chamadas fake news é um tema muito atual, que tem feito parte do dia a dia da população, muitas vezes até sem que as pessoas percebam. E para abordar a questão, não basta um olhar puramente técnico. É necessário pensar também na formação humana dos cidadãos, em educação básica e na relação entre quantidade e qualidade de informação, entre tantos outros aspectos que fazem parte deste contexto. Para tratar do tema, com considerações a partir das áreas de estudo do Direito e da Tecnologia, bem como suas implicações para a sociedade, a Faculdade Vicentina convidou a professora Dra. Cinthia Obladen de Almendra Freitas para uma entrevista.

Prof. Cinthia Freitas PUCPRCinthia possui graduação em Engenharia Civil, pela Universidade Federal do Paraná; mestrado em Engenharia Elétrica e Informática Industrial, pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná; e doutorado em Informática, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). É professora da PUCPR, nos cursos de Direito e Ciência da Computação. Já atuou como docente do Programa de Pós-Graduação em Informática da mesma instituição e, atualmente, integra o corpo de professores do Programa de Pós-Graduação (Mestrado/Doutorado) em Direito. Tem experiência nas áreas de Informática e Direito, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito e Tecnologia, Direito e Internet, Direito Eletrônico, Direito Digital, Novas Tecnologias, Contratos Eletrônicos, Direito do Consumidor, Direito de Autor, Sociedades (Informação, Tecnológica, Consumo), Consumo e Meio Ambiente, Consumo Consciente e Sustentável.

 

Confira a entrevista com a professora:

FAVI - Como podemos definir as fake news? E o que elas representam no nosso contexto atual?

Prof. Cinthia - As fake news, se formos traduzir literalmente, são notícias falsas. E este fenômeno é tão sério, que a expressão foi escolhida para representar o ano de 2017. A palavra de 2016 foi pós-verdade. E, mais recentemente, foram as fake news, por causa das eleições do Trump nos Estados Unidos. A ideia das fake news é, de alguma forma, criar informação – e essa informação em formato de notícia, o que dá um caráter visual de veracidade para quem acessa, recebe ou visualiza – mas que traz dados que não são verdadeiros. Isso pode ser desde um texto sobre determinado alimento que faz bem ou faz mal, até em situações de eleições, se um candidato é bom, se a proposta é boa, se ele está melhor ou pior nas pesquisas. Na verdade, o que suscitou tudo isso foi justamente a eleição do Donald Trump nos EUA, na qual os usuários de internet, de determinadas redes sociais, recebiam informações na medida em que demonstravam-se mais favoráveis ou menos favoráveis ao candidato, dizendo “olha, isso é bom por causa disso”, seguindo uma lógica do tipo: O que será que eles querem? O que será que eles gostariam que eu dissesse, que faria com que eles votassem em mim? Então, essas notícias foram lançadas pontualmente para esses usuários, levando a algumas mudanças de posicionamento, principalmente com os usuários indecisos e que não teriam ainda um posicionamento.

 

FAVI - Estamos vivendo uma época de muita polarização política, em que a maioria dos cidadãos tem acesso diário a muitas informações, verdadeiras e falsas. Que impacto este tipo de prática (de propagação de notícias falsas) pode ter, especialmente nesta época de eleições e decisões?

Prof. Cinthia - Quando a gente analisa o uso das fake news nesse tipo de contexto eleitoral, isso se torna muito perigoso, porque eu posso direcionar o eleitorado para X ou Y. Nós já estamos vivendo um momento de polarização. E isso pode se tornar não só polarizado, mas um confronto. Porque as pessoas que votam em X, só querem ouvir falar de X. E quem vota em Y ou Z, ou quantos forem candidatos, só querem ouvir sobre o seu escolhido. As pessoas estão muito “infladas” e essas notícias falsas ajudam a agravar. No momento que eu considero que vou votar em X, eu tenho uma série de notícias dizendo que X é bom e só vejo elementos para sustentar essa posição, isso faz com que o confronto acabe sendo mais direto. Só que está baseado em uma informação que, às vezes, não é verdadeira. Vivemos em uma sociedade em que temos acesso à informação, mas precisamos nos questionar sobre a qualidade da informação que estamos tendo acesso.

 

FAVI - Muitas pessoas acabam culpando a tecnologia pela facilidade na publicação e na disseminação das fake news, falando sobre robôs e sistemas automatizados que ajudariam a distribuir conteúdo nos sites e, principalmente, nas redes sociais. Como podemos responder a isso, para incentivar o uso responsável das descobertas tecnológicas e não propagar ainda mais “mitos” sobre o assunto ou tornar a tecnologia uma vilã?

Prof. Cinthia - É ótimo que se fale em uso responsável da tecnologia, embora a gente possa considerar como algo utópico ainda. As pessoas, nesse momento, estão mais interessadas em consumir a tecnologia, mas a maioria delas ainda não parou para refletir. Só que para refletir, é preciso educação de base, ou seja, eu preciso saber ler, saber escrever, preciso saber compreender um texto, para depois chegar no nível da reflexão, que é quando eu comparo situações, quando meço o que é o parecer de um analista ou de um influenciador, um youtuber, seja quem for. Mas eu tenho o discernimento para comparar e medir qual o peso que eu vou dar para cada uma das informações que estou recebendo. Valorar isso e formar a minha convicção, o meu entendimento sobre aquele tema. Quando a gente fala de uso responsável das tecnologias, tem muito caminho a percorrer para poder chegar nisso. E hoje, a gente ainda tem muitas pessoas que estão excluídas de todo o sistema tecnológico, informacional, educacional. E mesmo entre aquelas que estão incluídas, muitas não compreendem. A gente sabe que existe uma quantidade enorme de analfabetos funcionais, ou seja, pessoas que sabem ler, mas têm dificuldade de entender o que leram, de contar para alguém, de fazer um resumo. E esse caminho exige um processo educacional, para que as pessoas possam exercitar a sua cidadania, também por meio do uso da tecnologia, mas de modo responsável.Celular Freepik

Então, eu recebo uma informação em qualquer meio de mensagem instantânea e preciso questionar: será que isso é verdade? Quem me enviou? Será que essa pessoa é daquelas que me envia qualquer coisa, recebe e manda para frente, para todos os contatos que ela tem? Ou será que essa pessoa testou, verificou, validou essa informação? Assim, eu já tenho um grau de confiança naquilo que estou recebendo. O que acontece é que a tecnologia banaliza muita coisa. Ela banaliza a velocidade, o acesso, a facilidade. E isso faz com que eu, rapidamente, pegue aquilo sem questionar, sem refletir e dispare na minha rede social ou no meu aplicativo de comunicação instantânea, o que é um problema.

 

FAVI - De que maneira a área acadêmica e as instituições de ensino podem colaborar no combate às fake news?

Prof. Cinthia - O meu olhar, por ser professora universitária há 33 anos, é de que isso vem de formação de base. E quando falo de formação de base, incluo família, escola e instituições religiosas, independente de qual credo. Esses três pilares fazem a formação de base. A gente precisa que a família cumpra o seu papel, independente de qual formato de família estejamos falando; precisamos da escola, independente de qual processo pedagógico utilize; e da formação religiosa. Todo mundo tem que estar envolvido em formar um cidadão e ensiná-lo a usar a tecnologia. Para isso, ele também precisa conhecer o risco. Quando você era pequeno, provavelmente sua mãe dizia: “Não fale com estranhos”. Isso vale para a tecnologia também: com quem você está falando? Quem é a pessoa que está do outro lado? E isso a escola pode reforçar. Os amigos daquela associação religiosa que você frequenta também, aqueles que você considera verdadeiros amigos. Essa formação de base da criança é que vai fazer o adolescente ou o adulto usar a tecnologia de maneira responsável. Se quisermos inverter, dizendo: “Vamos deixar as crianças crescerem, se tornarem adolescentes e quando forem adultos nós vamos colocar ordem”, a gente já perdeu. Perdeu para um jogo, como o Baleia Azul; perdeu para um aliciador que conversou com o teu filho pela internet e marcou um encontro; perdeu para as fake news que já formaram um consenso ou fizeram a pessoa formular uma ideia sobre um assunto e não tem mais como retornar isso.

 

FAVI - A professora poderia comentar um pouco do que vem sendo estudado na academia sobre isso?

Prof. Cinthia - Se a gente olhar pelo lado da Tecnologia, ela vem evoluindo tal qual o homem na sociedade, trazendo benefícios e malefícios. Muitas vezes, uma tecnologia é criada para o bem, mas alguém tem uma ideia e imagina: por que não usar isso para fraudar o sistema? Para quebrar uma senha ou clonar um cartão de crédito, por exemplo? São tecnologias que estão aí, para serem usadas para o bem ou para o mal. Então, o ensino da tecnologia é super importante e é necessário tornar os alunos da tecnologia também cientes disso. Que o que eles vão criar lá na frente como tecnologia, aplicativos, softwares ou hardwares poderão ter diferentes usos. E pensar: o que este meu novo programa de computador vai trazer de benefícios para a sociedade? Pensar mais no todo, não somente no lucro, no sucesso da empresa, no que a pessoa quer fazer. E a gente, como formador de profissionais, precisa se preocupar.

O Direito, por outro lado, vem com a parte legislativa. Normalmente, a gente brinca que o Direito corre atrás da Tecnologia. Porque a tecnologia é criada, é desenvolvida, é colocada na prática e, só então, os problemas aparecem. Quando aparecem, o Direito entra para regular, para normatizar, para verificar quais são os benefícios e malefícios. Surge então a necessidade do direito entrar em ação, seja com um projeto de lei, um ato normativo, uma medida provisória, o que for necessário para ordenar aquele uso, de modo que se vise ao benefício da sociedade. E, se houver malefício, como responsabilizar, quem responsabilizar e as medidas cabíveis nessa responsabilização. Se cível, se criminal, se empresarial… Se for um colaborador dentro de uma empresa, pode haver um processo administrativo interno, para depois ser tomada uma decisão. Tudo isso o Direito vai organizando, a partir das tecnologias ou dos danos que venham a ser causados.

E isso não pára, porque a tecnologia não pára, não tira férias. Em geral, cada descoberta leva a mais outra, sempre pensando no futuro, em ir além. E esse diálogo entre Direito e Tecnologia não é uma coisa tão simples, porque essas duas áreas possuem linguagens muito específicas, possuem modos de trabalho, de entendimento e de interpretação completamente distintos. Fazer os dois lados conversarem é um desafio e uma necessidade.

 

FAVI - Que dicas podemos dar para as pessoas identificarem as fake news?

Fake News 2 FreepikProf. Cinthia - No primeiro momento, parar e se perguntar: será que isso é uma informação verdadeira? Qual é a fonte desta informação? De onde veio? Veio de uma instituição acadêmica ou jornalística? Eu preciso sair daquele ambiente onde eu recebi a informação e ir pesquisar, dedicar o meu tempo. E refletir: onde posso buscar essa informação? Tem dados estatísticos, foi publicada por alguma universidade ou veículo da imprensa? Posso colocar essa informação no buscador da internet e ver o que aparece, se encontro aquela informação em fontes confiáveis. Hoje, também existem sites específicos para identificar fake news. Você pode entrar nesses sites e descobrir se aquela notícia é verdadeira ou não, com a explicação do que estava incorreto, se a imagem foi manipulada ou foi feita em outra data, etc. Se a dúvida ainda não estiver esclarecida por estes sites, você mesmo precisará dedicar esse tempo de pesquisa, antes de passar para frente. E repassar somente se tiver certeza de que é sério. Também podemos questionar a pessoa que nos mandou: "De quem você recebeu?". É preciso se preocupar com a origem da informação.

 

FAVI - O que os cidadãos podem fazer ao identificar que um site está propagando uma notícia falsa? Existe uma maneira de denunciar e/ou pedir que a informação seja “retirada do ar”?

Prof. Cinthia - Nesses mesmos sites que informam se a notícia é fake ou não, é possível fazer uma notificação, um aviso do que foi recebido, para que seja avaliada a veracidade. E é importante também fazer o papel reverso no grupo ou meio em que você recebeu aquilo, informando que a informação foi verificada e que não é verdade, pontuando as razões, indicando a fonte verdadeira. Só que a maior parte das pessoas não se dão ao trabalho de fazer isso, às vezes até para evitar de criar uma inimizade, não se indispor e acaba não falando nada. E aí deixamos de exercer a nossa cidadania, nosso dever como cidadão dentro de uma sociedade tecnológica e informacional, que é a que a gente vive hoje.

 

FAVI - Em relação à área jurídica, temos uma expectativa boa em relação a isso tudo?

Prof. Cinthia - Eu acho que a gente tem sim. Já houve decisão sobre fake news. Os aplicativos de mensagem instantânea agora marcam as mensagens encaminhadas, por exemplo, o que tem a ver com a legislação europeia, que defende que precisa sinalizar que foi encaminhado de alguém, que aquela pessoa que te mandou não foi a fonte primária da informação. É muito raro você receber algo que nasce da pessoa, a maior parte é encaminhado e perde-se essa referência. Existem mecanismos que estão surgindo para tentar lidar, como o Marco Civil da Internet, que regula determinadas ações, os provedores de aplicação… São instrumentos importantes. Mas é preciso atentar também para o limite, às vezes muito tênue, entre a liberdade de expressão versus o uso irresponsável da tecnologia. Uma coisa é estimular a criatividade, a ironia, as brincadeiras. E outra é usar isso para induzir, influenciar ou propagar algo falso.

 

FAVI - Para finalizar, a senhora gostaria de deixar alguma mensagem ou comentário sobre suas reflexões acerca deste tema?

Prof. Cinthia - É importante nós sabermos que a tecnologia nos favorece em muitos momentos, facilita a nossa vida (a velocidade da informação, a possibilidade de eu me comunicar com as pessoas, de fazer uma compra na internet, de baixar um conteúdo para uma pesquisa científica, para realizar um trabalho escolar, etc.). Mas ela também traz responsabilidades. E, no caso das fake news, essa responsabilidade é a de parar e refletir, para saber se aquilo realmente tem uma fonte e se é fidedigna, se é confiável.